A voz do médico,
- Um menino.
A voz do médico a ecoar cá dentro. Ontem como hoje. Como sempre. Ou aquilo a que nos habituámos a chamar sempre.
E as minhas mãos duras do trabalho a querer agarrar-te todo, sem te deixar cair. Cavalos de corrida selvagens a galopar pelas florestas do meu sentir. E de repente o coração, um relógio a que é preciso dar corda. E as tuas mãos a rodar os meus ponteiros, a acertar-me os segundos, a compassar-me as batidas.
Ela sorri. Naquele dia ela sorri. O seu rosto congelado na minha memória. Depois disso não sei se houve amanhã. Depois do amor talvez nunca exista ou possa existir amanhã.
Ensinei-te que as palavras são sempre palavras, digas o que disseres. As palavras como planícies, segredos inaudíveis, retratos da mais pura solidão.
As palavras ainda a secar-te por dentro, a comer-te devagar. E eu com vontade de dizer-te que as deixes correr. Maratonas dentro de ti. Corrida de fundo em coração aberto.
Sentas-te. E de repente tu - todas as vozes, todos os cheiros, todas as pessoas que conheci. De repente tu – todas as histórias que contei, todas as vidas que não quis ou não pude viver.
Apenas tu. Como naquele dia no hospital em que as mãos me tremiam. Como no dia em que nasceste em mim. Feito de silêncios, de ausências, de medos, feito de palavras.
Feito de todas as palavras. Feito do vazio – do teu e do meu - do nosso vazio.

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